segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Filipe Catto - Entrevista para a Revista Chams - 2014

A  revista “Chams” circula no estado de  São Paulo e tem como público alvo principal, a comunidade árabe no Brasil.  Em sua edição no. 258, de agosto/setembro de 2014, (pág. 34) publicou uma entrevista com Filipe Catto.  Para os que não tiveram acesso à revista, transcrevo aqui o texto completo.  Sempre oportuno e interessante conhecer a opinião de um dos maiores artistas que esse país tem.

Seção Bazaar – Por Micaela Fajuri Ferraz

Visionário à moda antiga – Sem medo de desconstruir o já consagrado, Filipe Catto sobe nos palcos Brasil afora e deixa sua marca.
De fala mansa, beirando a timidez.  No palco se agiganta.  Novo nome da música nacional, já dividiu o palco  com Cida Moreira, Ana Carolina e Ney Matogrosso, além de ter encarado um dueto informal com a “diva” Elza Soares.  Valente, performático, visceral, sem medo de rótulos, um artista de opinião.  Conheça um pouco de Filipe Catto.

RM(Revista Chams) – Você disse, a respeito de Saga, que ela aborda o “olhar pra frente, mas reconhecendo as raízes”.  Fale um pouco de suas raízes.

FC (Filipe Catto) – Eu sou gaúcho, então os ritmos latinos estão super presentes na minha formação.  Saga é um pouco fruto dessa combinação.  Ela é uma síntese dessa latinidade que eu carrego naturalmente, mas sem ser saudosista.

RM –Muito da música contemporânea tem pouco de realmente.  Inclusive suas referências musicais trazem muito da “velha guarda”.  Você acha que há uma nova  Música Popular Brasileira? Quais os limites da inovação ?

FC – Não existe limite nenhum.  Acho tudo que está acontecendo na música hoje de uma riqueza absoluta.  As fronteira se dissiparam, então hoje eu sinto a música feita no Brasil cada vez menos preocupada com esses limites.  É o “indie rock” misturado com o “brega”, misturado com o “funk carioca”, indo pro “ samba de raiz”... Tudo pode.  Adoro essa loucura toda e adoro também os grandes cantores, os compositores consagrados.  Por que não?

RC – Mas essa fronteira se dissipou há muito tempo, no Movimento Tropicalista.

FC – Sim, mas vem acontecendo de uma forma muito natural agora. Independente de movimentos, existe na real comunicação global através da internet, e isso reflete na música brasileira.  Tudo dialoga, muitos artistas trazem sotaques e cores de outras culturas, até mesmo cantam em outras línguas.  Sem pertencer a nada, a música brasileira agora está cada vez mais globalizada no bom sentido, trazendo influências e exportando ideias.

RC – Você disse certa ocasião que Maysa é “rock’n’roll”.  Você pode desenvolver ?

FC – Rock, pra mim, é uma postura, uma atitude, não estilo musical.  A entrega da Maysa nas canções  é rock’nroll.  A Elis cantando “Atrás da porta” é rock’nroll, porque é despudorado, é visceral.  Isso é o verdadeiro rock, transgressão, entrega, se jogar sem rede de segurança.

RC – Você agregou a seu repertório canções como “Olhos nos olhos” com maestria, o que é quase uma ousadia, quando consideramos que Maria Bethânia a tornou praticamente definitiva.  Sua versão de “Luz Negra” é outro exemplo.  Você diz que Nelson Cavaquinho é um artista contemporâneo, no sentido de suas composições se encaixarem em outros gêneros.  Mas poucos artistas se encorajam a transitar em terrenos arenosos.  Falando de “Luz Negra”, que foi gravada por diversos artistas, mas  algo novo só se vê em sua versão e na de Jards Macalé,  ousaram tirá-la do terreno o samba puro.  Você é um artista ousado, sem medo de desconstruir o já consagrado.  Até um dueto com a “deusa” Elza Soares você já encarou.

FC – Eu gosto de música, não tenho muito essa preocupação.  Eu sou meio bicho nesse sentido, porque música tem que bater,  e eu canto o que bate na minha praia e me toca.  Não interessa o quê, nem de que maneira.  Esse é meu lugar.  O do intérprete, acima de qualquer coisa.  Mesmo cantando minhas canções, quando eu canto, sou intérprete.  O compositor morreu assim que a música ficou pronta.  E dentro desse universo,  eu deito e rolo.

RC – Você diz que não existe “ música brega”.  Elas podem comovê-lo ou não, mas se recusa a concordar com o rótulo.  Mas a definição não poderia estar mais na forma que no conteúdo?  Você não acha que o arranjo e a escolha instrumental podem deixar uma canção mais ou menos elegante?

FC – Acho que depende do olhar que se dá para a música.  Independentemente de gênero, essa coisa de rótulo na canção é uma idiotice.  Eu gosto de coisas de tantos lugares, que acho uma burrice prender uma música a um lugar só.  “Garçom”, que gravei, pra mim sempre foi uma grande canção, digna de Maysa, Dolores Duran.  Eu só fiz revelar esse olhar que eu tenho pra ela, nada mais.

RC – Chams circula principalmente entre a coletividade árabe do Brasil.  Nosso país é um caldeirão cultural, formado por imigrantes dos mais diferentes locais, porém criando uma nova identidade.  Você acha que isso influencia a música brasileira?

FC – Totalmente.  Toda nossa música é fruto da mistura das culturas.  É isso que faz ela ser tão única e especial.  A arte é reflexo do povo, e o Brasil é um berço que abriga a todos, assim como todos os ritmos e possibilidades artísticas.  É uma maravilha.

Um comentário:

Juliana Britto disse...

Muito boa a entrevista! obrigada por publicá-la!